Quem vem lá?

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Pequenos porém sinceros

- Então Má, o esquema é sério. É um hospital-escola. Você só paga a prótese.
- Sério? (olho pra baixo, analiso). Mas será? Tenho um pouco de cagaço...
Entro no consultório. Lá dentro, o médico e o residente. Começo explicar que estou vendo a possibilidade de aumentar meus seios. Os dois me incentivam horrores, dizem que vou ficar linda. Sento na maca e tiro a blusa, o sutiã com bojo. Os dois olham, inclinam a cabeça para contemplar de outro ângulo, e eu ali esperando o veredicto. Um aperta. O outro não ia ficar de fora né, apertou também. (Piadinhas esdrúxulas de feira tipo “apalpou vai ter que levar” pairam em minha cabeça, mas me contenho). Coçam o queixo... Hum... Deixe-me ver de novo...
- Pois bem Marina, seu seio é juvenil. Sugiro que faça um implante de 300 ml.
- Caralho doutor, pra quê tudo isso? Vai parecer que tô segurando ar o tempo inteiro!
- Aqui aparece um monte de baixinha querendo, você tem altura e não quer colocar?
Vou embora com uma pilha de pedidos de exames e confusa. Chego em casa e me olho no espelho de novo... Qual o problema? Sim, realmente deve ser incrível colocar uma blusa decotada e ter o que mostrar, aposentar meus sutiãs com bojo e aditivos “junta tudo”, sair por aí ostentando um par de peitões... Imagine só, correr na areia, cena de filme, meus peitões balangando pra lá e pra cá, eu sorrindo contra o vento... Mas enfim, na vida real eu não sou assim e meus atributos são outros. Por outro lado posso colocar uma blusinha tomara que caia, tudo fica delicado, sem contar que passo super bem nas frestas.
Aí me pego pensando que tenho coisas muito mais importantes para me preocupar, coisas muito mais essenciais a serem aprimoradas em mim. É verdade, o seio cabe na palma da mão, mas é isso, e mais um monte de coisas que me faz ser quem eu sou. E eu não quero ser diferente, gosto assim mesmo: uma perna em X, um dente pra frente e um vasinho que apareceu na batata da minha perna. Foda-se. Essa é a minha cara. Eu é que não vou deitar numa mesa e dizer “Aí doutor, deixe minha perereca com a cara da Angelina Jolie”. É impressionante a capacidade da gente não se aceitar, achar que ficaria melhor com um peito tal, a boca tal. Não precisa ter cabelo liso, tenha o que pensar; Não precisa ter os dentes perfeitos, apenas tenha bom humor e sorria de verdade; Pra quê ficar horas malhando o tríceps para dar tchau sem balançar, use os braços para um abraço forte e verdadeiro. Pernas bem torneadas? Beba e se divirta muito num bar e depois vá ao banheiro e faça xixi sem encostar no vaso!
Não voltei mais ao consultório. Sim eu tenho os seios pequenos. O que não tem nada a ver com eu não ter peito.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Tradição


Diante da vastidão do tempo e do espaço, na década de 70 duas mulheres se encontravam. Seguiriam a mesma profissão, o jornalismo, cultivariam juntas o gosto pela boa música, bons livros, e também, pela cevada. Tinha tudo pra dar certo. E deu. Juntas caminharam pela vida, assistindo a tudo sob ótica otimista e altamente deboxada, passaram por uma ditadura, pelas emoções das Diretas, pelo primeiro filho. As duas casaram, as duas separaram, e mais de 30 anos depois, Sônia e Bethinha continuam escrevendo a quatro mãos, a história de uma das amizades mais bonitas que eu já vi. Todos os dias elas se falam pelo telefone, onde se chamam carinhosamente de “Buçanha” e a casa é inundada de gargalhadas sonoras em meio a palavrões e histórias mil, elas riem, da vida e do tempo, que passa por elas a passos leves. Retribuindo a vida, Sônia deu de presente meu irmão Pablo e eu. Já Bethinha fez a gentileza de deixar à Paola o papel de perpetuar a história.
Numa das aulas mais interessantes que tive no colégio, e por sinal, inesquecível , um professor de história tentava dar nomes à emoção inexplicável que sentíamos diante de uma obra de arte, ou uma peça exposta num museu. Uma das coisas que ele falou me marcou. Falava sobre uma tal “áurea”, era um tipo de energia que aquela obra tinha, tendo em vista o que significava e o valor que trazia em si. Aquela coisa de olhar uma peça e ser remetido à outras épocas, imaginar a beleza por traz daquilo, o professor chamou de áurea. Eu acho que eu sinto essa áurea na Paola. Nós nunca convivemos muito apesar de termos a idade próxima, mas cada vez que eu a vejo, o carinho que sinto, e a história de amor mais puro a que ela me remete, fazem com que eu tenha um amor que parece que sempre esteve ali. Como se não precisasse escolher tê-lo. A Paola foi pro exterior e agora ensaia uma volta. É engraçado esse negócio de você não precisar ver uma pessoa para querer profundamente o bem dela, um tipo de amor tranqüilo e desapegado. Esse amor está incutido na gente, é quase como se fôssemos responsáveis em dar continuidade a uma tradição.
Semana passada eu falei aqui no Janelas sobre um e-mail que troquei. Muito legal como esse papo repercutiu. Andei recebendo uns e-mails desses que dá vontade de mandar flores ao delegado, de bater na porta do vizinho e desejar bom dia, de beijar o português da padaria. Um deles trazia no campo de assunto “Obrigada por existir”, pensei: Putz, lá vem mais uma apresentação de power-point mela-cueca. Mas não, era um e-mail super carinhoso da Paola. Ela falou que passava sempre por aqui. Então, querida, quando você ler isso , saiba que tem um abraço muito forte te esperando quando voltar. Que você nunca vai estar sozinha, e que vai ser um prazer imenso continuar escrevendo com você capítulos e mais capítulos de uma história maravilhosa que herdamos. Amo-te pretinha. Volte logo, Pá. Este post é pra você.

domingo, 2 de novembro de 2008

Nós, os maluquinhos. Ou: Marina limpando as janelas


Para chegar aqui no blog de novo precisei me desvencilhar das teias de aranha, faz tempo que não passava por aqui. Não é nem por falta de vontade, mas a rotina mudou bruscamente e não é exagero se eu disser que não tenho tido tempo pra me dedicar a esse e a muitos outros prazeres. Mas é isso aí, logo as coisas entram nos eixos.
Explicações à parte, dia desses estava eu vasculhando e-mails antigos, que coisa essa tecnologia, antes eu adorava dedicar uma tarde inteira lendo cartas e bilhetes que guardei de pessoas diversas. Momentos diversos. Agora guardo e-mails. O importante é guardar alguma coisa né?
Grande parte dos meus melhores feitos literários são cartas. E-mails também. Sou muito chegada nessa coisa de escrever pras pessoas queridas. E hoje quero pedir licença a um amigo muito querido, Marcos Paulo Félix, para transcrever aqui uma conversa que tivemos virtualmente. O papo foi assim: Ele escreveu uma crônica, chamada “Eu e o Maluquinho”, em que discorria sobre as delícias de sua infância e sua percepção sobre a recém chegada “adultice”. Trecho: “Eu ter sido considerado um “tio” me fez recordar meus tempos de criança, bem aqueles que eu queria ser como Maluquinho.
No fim das contas acho que me tornei meio ao acaso um pouco do personagem de Ziraldo. Assim como ele virei um cara legal- pelo menos eu acho que sou- que leva a vida a cantar, mas nossa principal semelhança talvez seja essa: nós dois não conseguimos segurar o tempo, e ele sempre passa!” (Marcos Paulo, maio/2008)
Trata-se de um texto simples que me emocionou bastante e me inspirou a uma resposta, que resolvi socializar por aqui, pois falei sobre coisas que têm estado presente nos meus pensamentos hoje. E também, porque falo da minha avó Dulce, e hoje faz 18 anos que ela pediu pro mundo parar e desceu. Salve salve vovó Dulce, que saudade.

Aí vai:

Oi Marquito, querido. Cheguei de viajem hoje, eu estava em Minas trabalhando num evento. Trampo pesado, mas grana a curto prazo é sempre muito tentador. Já é a segunda vez esse ano que eu viajo para fora do estado tentando negociar o suor do meu trabalho. Isso me deixa sensível, sabe? Estar longe dos meus amigos, da minha família e de quebra conhecer gente de tudo quanto é jeito, pessoas que nunca me viram e podem pensar o que quiser de mim. Mas Deus é muito meu camarada e eu sempre consigo levar algo de bom desses "encontros" que me ocorrem. Procuro sempre, também, fazer com que todas as pessoas que cruzam meu caminho levem o que há de melhor em mim com elas, ainda que o tempo tenha sido muito curto pra isso. Mas você bem deve saber o poder que um "bom dia" dado com um sorriso verdadeiro no rosto tem de mudar um dia inteiro de alguém.Agora olha que viagem: Eu trouxe lá de Minas uma goiabada cascão que comprei de uma figura iluminada e cabelos branquinhos feito algodão chamada Norma. Não que eu fosse muito fã da iguaria, mas a simpatia da senhorinha me fez tirar os últimos trocados furados que eu tinha no bolso e trazer pelas oito horas de viagem de volta, aquele tigolinho de goiaba no colo.Agora há pouco resolvi experimentar. E era uma delícia, tinha gosto de infância, gosto de amor, de comidinha de vó. Lembrei dos doces que minha vó fazia, de como eu gostava de raspar o tacho. Lembrei do cheiro de acúcar queimado misturado ao cheiro de blush que tinha a pele daquela espanhola que adorava falar palavrão. Pensei nela como faço em vários momentos, no que ela diria sobre meus questionamentos, se seríamos amigas como éramos quando eu tinha 08 anos e ela 56. Tem hora na minha vida que eu tenho a impressão que ela tá olhando lá de cima e rindo de mim, principalmente quando fico ansiosa diante da vida, ou quando acho que sei muito. Aí ela deve rir mesmo.E como numa sincronia, sentei aqui pra ler meus e-mail e me ative ao seu. Pobre do meu coração, apertou-se. Pensei como isso é bonito, sinto o mesmo que você. Percebo que o mundo me vê como mulher e já sou muito distante de uma criança (que aliás, já me chamam de tia também). Mas aquela menininha molecona, joelho ralado, cara suja de chocolate, mora bem aqui dentro de mim. É ela que segura todas as minhas barras, é ela que me faz lembrar o quanto a vida é bonita, o quanto tudo isso vale sim, a pena. Eu também não tenho o poder de controlar o senhor tempo. Mas gosto de perceber que não me distancio muito daquilo que quando era criança, imaginava que ia ser. Não rica, com um carro como o da barbie, linda como a Xuxa, morando numa casa de boneca. Mas uma mulher de bem. Acima de tudo e sobre todas as coisas, uma mulher de bem.E acho que isso te aconteceu também, meu querido. Aquele menino que teve o privilégio de ter uma infância bem vivida, bem brincada, cheia de fantasia, cresceu e se tornou um homem com um coração gigante, capaz de sensibilizar-se com coisas simples. Sinal que aquele menino tá em você também.Todos os momentos da vida, todas as fases, têm seus fascínios. A gente tá só começando... só se dando conta... às vezes assusta. Mas a gente não tá sozinho, temos uns aos outros e esses tesouros intocáveis dentro de nós. Obrigada por me fazer pensar nisso agora, confesso que enquanto escrevia esse e-mail ri e também chorei. Eu poderia falar muito mais sobre o que tô sentindo, mas percebi depois do que você escreveu, que não preciso. Um beijão cheio de carinho pra você e tudo aquilo que te tornou quem você é. Marina

09/05/2008